Uma cena da minha infância que sempre me vem à memória é a da reunião da grande família em redor da mesa de refeições. Ocasião em que, em torno do alimento, acontecia habitualmente a revelação das diferenças dos membros do grupo em seus gostos, desgostos, preferências, recusas e até mesmo repulsas. Alguém, por exemplo, apesar de nunca ter comido tomate, alegava dele não gostar, outro cuspia a batata que tentavam obrigar-lhe a comer, e havia também o que requeria toda a atenção materna por ser aquele que "não comia nada". E se todos comiam manteiga, alguém certamente só aceitava margarina. De minha parte, lembro de certa intolerância ao leite, que, em nome da boa educação alimentar, minha mãe exigia que se tomasse. Lembro deminha especial preferência pelo café preto. Símbolo, talvez, do que eu pudesse considerar próprio de gente grande, o café com pão era minha refeição preferida. Costumava saborear com prazer a repetição da bebida bem quente e açucarada, com mais fatias de paão com manteiga. Pois um dia, ao ver-me pedindo mais, alguém disse algo que manchou para sempre a pureza daquele momento de satisfação: " O segundo café nunca é igual ao primeiro." Inesquecível este meu encontro com a verdade da incompletude do prazer, com a inevitabilidade da falta, da perda e da impossibilidade. Enfim,o que foi nunca mais será.
Eis aí uma questão essencial da vida humana, o encontro marcado com isto que já não é mais, aquele que já fomos, com o que se passou e, no entanto, tantas vezes buscamos alcançar.
O ser humano é irremediavelmente impelido a repetir. Repete porque busca alcançar este algo de conhecido e de desconhecido que resta sucumbido em seu íntimo. Freud, na genialidade de sua produção, nos fala do conhecido e do estranho como faces duplas daquilo que somos. Conhecido porque é aquilo que somos novamente, mais uma vez e repetidadmente. Desconhecido e estranho porque, neste ato de repetição, necessariamente nos topamos com algo diferente,novo.
Tentamos repetir o mesmo desenho e linhas inusitadas teimam em surgir.E o desenho fica outro. Na tentativa de copiarmos a receita geralmente acabamos descobrindo que algum detalhe diferente nos faz experimentar um novo sabor. E assim também em nossas escolhas amorosas, profissionais, escolhas de vida, há algo ali que insiste em repetir-se. E sempre algo que, felizmente, teima em nos surpreender.
Seguem abaixo duas telas da artista plástica Adriana Rocha, a nos mostrar, como a arte sempre o faz, que o céu nem sempre é azul, que há , enfim, infinitos jeitos de representar alguma coisa, de dizê-la, de olhá-la, de vivê-la.