terça-feira, 30 de março de 2010



DUAS MULHERES CORRENDO PELA PRAIA, DE PICASSO

domingo, 28 de março de 2010

A VERDADE DO SUJEITO

Acompanham a humanidade, ao longo de sua história, a força da tradição, do costume e, por outro lado, a revolução, a busca da aventura e da mudança. É humano habituar-se,acomodar-se, acostumar-se. E felizmente não menos humano,e talvez mais ainda, criar, inquietar-se, ansiar pelo novo.Assim caminha o desenvolvimento humano. Num movimento repleto de desacomodações, que geram mudança de comportamento e novas compreensões.
Em nossas vidas cotidianas,vivemos igualmente essa contradição, entre o conhecido, o habitual eo confortável, e, por outro lado, o novo, o arriscado, o diferente.Pode-se dizer que aí esteja a essência do desafio de nosso viver. Tendemos a repetir padrões de comportamento, padrões emocionais, estes que tanto conhecemos, que nos caracterizam até e que às vezes nos incomodam por sua insistência. São comportamentos sintomáticos.Há sempre algo que desconhecemos profundamente aí. Paradoxalmente, os sintomas nos conferem alguma segurança, ao mesmo tempo em que nos causam sofrimento, angústia, aborrecimento. Trata-se de algo que insiste, para além de nossa vontade. Somos o que não gostaríamos de ser, sentimos o que nos pesa, nos oprime, ignoramos o que desejaríamos saber. Uma cadeia que nos aprisiona e frustra. Queremos mudar.
A psicoterapia - refiro-me aqui específicamente à psicanálise, ou à orientação psicanalítica - é uma caminhada onde nos vemos com esses processos. É a busca, através da palavra dita e ouvida, de novos sentidos, novas possibilidades de ser. Para tanto
torna-se necessário aceitarmos que estamos implicados em nossos sintomas, que eles não são meros eventos isolados. Trata-se de irmos ao encontro do que desconhecemos de nós mesmos. Rever nossa própria história, reconhecer nosso próprio desejo, desembaraçar-mo-nos de nossos fardos. Encontrar sua verdade, eis aí o objetivo do sujeito em análise.

domingo, 14 de março de 2010

O VALOR DO AMANHÃ

O economista e filósofo Eduardo Giannetti, em seu livro O VALOR DO AMANHÃ, da Cia das Letras, utiliza-se dos juros não como categoria econômica, mas serve-se do termo para analisar com muita originalidade e inteligência o embate entre a impulsividade e a atração pelo prazer, por um lado, e os cuidados com o amanhã, garantidos com prudência e ponderação calculistas, por outro.
Nossas escolhas estão inevitavelmente marcadas por essas duas tendências, presente e futuro medindo forças incessantemente na tomada de nossas decisões.
" O desejo incita à ação; a percepção do tempo incita o conflito entre desejos. O animal humano adquiriu a arte de fazer planos e refrear impulsos. Ele aprendeu a antecipar ou retardar o fluxo das coisas de modo a cooptar o tempo como aliado dos seus desígnios e valores.Isto agora ou aquilo depois? Ousar ou guardar-se? São perguntas das quais não se escapa. Mesmo que deixemos de fazê-las, agindo sob a hipnose do hábito ou em estado de "venturosa inconsciência", elas serão respondidas por meio de nossas ações. Das decisões cotidianas ligadas a dieta,saúde e finanças às escolhas profissionais, afetivas e religiosas de longo alcance, as trocas no tempo pontuam a nossa trajetória no mundo."
É com esse texto interessante que Eduardo Giannetti inicia seu livro, que, po sinal, estou lendo e recomendo. A seguir, um vídeo que ilustra muito bem a temática da obra, com a participação do próprio autor.

sábado, 13 de março de 2010


MENINA DIANTE DO ESPELHO, TELA DE PICASSO

sexta-feira, 12 de março de 2010

O EU E O OUTRO

Há sempre um espelho quando tudo se inicia para o sujeito. Ao se encontrar pela primeira vez, geralmente conduzido pela mão de um adulto, com sua imagem no espelho, a criança pequena tem um instante de júbilo, de encantamento, de surpresa, de espanto, de um misto de sensações que lhe assaltam ao ver um outro igual a si, ao ver sua própria forma tão inteira, ao ver o outro, que lhe aponta e lhe conduz, e ao ver a si mesmo como outro. Somos sempre o outro no espelho. Nasce, assim, uma imagem primeira de si próprio, de um corpo, de um outro, de um mundo, cena onde as personagens se encontram. Aí está o sujeito em sua relação com o mundo, com sua realidade. Realidade sempre permeada pelo outro. O outro que sempre somos, aquele que fomos, aquele que podemos ser, aquele que vamos nos tornar, aquele que gostaríamos de ser. Aquele que nos mira de dentro. E aquele com quem construimos um laço vivo, que nos diz quem somos, que nos ama, nos abraça, nos humaniza.
Esta metáfora do espelho foi brilhantemente utilizada por Lacan, teórico da Psicanálise que reelaborou aspectos da obra de Freud, contribuindo para lançar luz sobre a constituição psíquica do sujeito. O sujeito se constitui, portanto, na relação com o outro.
Abordo este tema para destacar este aspecto singular da espécie humana, em relação a outras espécies. O homem é o único animal que não sobreviverá sem a proteção e os cuidados de seu semelhante. E mais, nem sabe o que é ser humano. O outro terá que ensiná-lo. Pelos cuidados primeiros, pela proteção, pelas palavras, pelo amor. Essas são as condições intrínsicas da humanização.
O caminho que a humanidade vem trilhando desde o início da Modernidade, quando se instituiu a figura do indivíduo como entendemos hoje, caminho que vem se distanciando, não somente da natureza, mas também, e cada vez mais do coletivo , do bem comum, dos valores solidários, e vem marcando o território do indivíduo, da sua liberdade e dos seus interesses próprios, e que nos conduz ao momento atual, presente temeroso e pleno de interrogações em que nos encontramos. A humanidade em processo de sucateamento. O outro não mais nos comove, os laços sociais sofrem um significativo empobrecimento. O homem contemporâneo é um solitário inventor de si mesmo. Paga(quando pode) pelos seus direitos, pela sua saúde, pela sua segurança, pela sua educação.
O indivíduo urbano de classe média tem à sua disposição inúmeras possibilidades virtuais: pode trocar textos, imagens, sons, movimentar a conta bancária, comprar o que quiser, e pode fazer tudo isso isolado em sua casa, sem contato físico com outras pessoas, em seu solitário, seguro e confortável telemundo. Enquanto isto, 2/3 da população do mundo real vivem em condições sub humanas.
É preciso refletirmos sobre tudo isso. Se nos humanizamos só e tão somente na relação com o outro, que rumo é este que o humano está tomando?

quarta-feira, 3 de março de 2010


DÚVIDA, TELA DE ANNA GUERRA

O RISCO QUE É VIVER

Na vida, tendemos à preocupação com as definições, com o acabamento das coisas.
Desejaríamos saber como tudo vai transcorrer, como vai acabar, que resultado obteremos a partir de nossos investimentos.
Decidimos e escolhemos o tempo todo. A comida que comemos, a roupa que usamos, as palavras que diremos e as que calaremos, se compramos ou poupamos, se beijamos ou abraçamos, se brigamos ou perdoamos, se ousamos ou nos reservamos. A profissão, o namorado, a namorada, com quem ficar na festa, se acreditamos ou desconfiamos, se amamos ou gostamos...
Quem somos nós? É a pergunta que parece que temos que responder todo dia. Ficamos a idalizar alguém que seja feito de certezas, e que possa escapar a esse destino de dúvida, de angústia, de questionamento. Desejamos às vezes ficar descansados de nossas inquietações, ancorados num sereno saber que nos proteja do risco. Do risco de errar, do risco de ter que voltar,de ter que pensar melhor, do risco de desmanchar tudo e construir de novo... Às vezes queríamos estar abrigados, seguros, inabalados, inatingíveis.
Impossível, pelo menos para os vivos, escapar do movimento surpreedente e incontrolável da existência.
Michel Foucault, filósofo francês que pensou as relações entre o saber e o poder de uma maneira bastante original e esclarecedora, é quem nos diz :

" Não considero necessário saber exatamente quem sou. O que constitui o interesse principal da vida e do trabalho é que eles lhe permitem tornar-se diferente do que você era no início. Se, ao começar a escrever um livro, você soubesse o que irá dizer no final, acredita que teria coragem de escrevê-lo? O que vale para a escrita e a relação amorosa vale também para a vida. Só vale a pena na medida em que se ignora como terminará. "
Foucault, Michel; Coleção Ditos e Escritos, vol v, Rio de Janeiro,ed. Forense Universitária