quarta-feira, 21 de abril de 2010


"ALMOÇO NO ALTO DE UM ARRANHA-CÉU", DE CHARLES EBBETS,1932

O TRABALHO E SUAS CONTRADIÇÕES

A palavra trabalho, de origem latina, do vocábulo "tripalium" antigo instrumento de tortura utilizado pelos romanos, marcou fortemente o significante com a sina da violência, da brutalidade e da indignidade que a história lhe conferiu, ao longo dos tempos. Por mais que a Modernidade e a moral burguesa tenha proclamado a dignidade do trabalho e, com isso, tenhamos adquirido a possibilidade de associarmos o trabalho à ação humana extremamente avançada em termos técnicos e engendrada em sofisticadas redes de relações, ou que possamos ter hoje cenários e ambientes de trabalho confortáveis e prazerosos, e por isso se possa falar e pensar em felicidade no trabalho,é invitável que ele conserve este registro de crueldade, penalidade e sofrimento.
Pode-se dizer que, ao longo da história, foi no trabalho que o homem se humanizou, e no trabalho foi também que o ser humano experimentou, paradoxalmente, sua condição mais degradante e desumana.
As origens mais remotas do trabalho coincidem com as próprias origens da humanidade. O primeiro trabalhador foi o longínquo homo faber, ancestral hominídio que um dia criou e manejou instrumentos com seu corpo, com a finalidade de sobreviver e modificar a natureza.Temos aí a origem humana e criativa do trabalho.
Seja na escravidão do Mundo Antigo ou na servidão medieval, foi o trabalho dessa massa de homens que nem sequer como tal eram considerados, que gerou o sustento e produziu a riqueza da sociedade ocidental.O óscio, nessas sociedades, era considerado o grande privilégio ou direito de uma camada social distinta por sua dignidade e superioridade. Foi a sociedade capitalista que inventou o neg-ócio - a negação do ócio, conferindo, assim, novos sentidos ao trabalho humano.
Podemos ver que o trabalho, por suas determinações históricas, está, portanto, marcado por forte ambivalência e contradição. Por um lado, esta sina que caminha pela via da escravidão humana, do trabalho indigno, do trabalho alienado e sem sentido, da falta de oportunidades, da usurpação do homem pelo homem, que, longe de terem sido páginas viradas na história, compõem, ainda nos dias de hoje, o cenário de gigantescas e brutais contradições presentes no mundo em que vivemos. E por outro lado, caminha a ação criativa promotora do crescimento e do desenvolvimento humano, que nos permite, sempre, conferir sentido ao nosso viver, modificá-lo e recriá-lo.

domingo, 4 de abril de 2010

A REVOLUÇÃO DA DIFERENÇA

Ao navegar pelos canais televisivos, podemos encontrar variadas opções de um tipo de programação que prolifera nos dias de hoje: são os talk shows, onde personalidades do meio artístico, social e político, pessoas conhecidas públicamente, são entrevistadas. O que se observa nessas entrevistas é o famoso falando a respeito de sua privacidade, seus hábitos, seus relacionamentos, e inevitávelmente passando a dar dicas e conselhos ao público. São aconselhamentos a respeito de como se alimentar,de como exercitar seu corpo, de como manter-se jovem, belo, saudável, bem sucedido, o que se pode entender como uma orientação de bem viver, de ser feliz. Revistas, jornais, a internet, e todo o vasto conjunto dos mass mídia oferecem uma vasta gama de opções dessa atual modalidade de orientação do comportamento das massas.
Por que razões a vida privada torna-se matéria pública, por que razões as pessoas buscam orientar-se em suas vidas baseando-se nesses modelos?
Na contemporânea sociedade de massas o indivíduo é tão "livre" que passa a sofrer de solidão e desamparo. A interação com o outro, seja no âmbito da família ou no social, encontra-se francamente empobrecida, desmerecida. A vida pública, esvaziada. O estado não protege mais seus cidadãos, o capital decide os rumos da humanidade, o comportamento é moldado pela mídia, e tende a ser homogeneizado, em detrimento da singularidade, da diferença.
O caminho inaugurado na Modernidade em direção à individualidade e à liberdade, deu no que deu. Se antes o estado, a família e a religião ditavam os destinos humanos, hoje quem ditará as regras de ser e de viver? Voltaram-se para o próprio sujeito antigas e tradicionais responsabilidades outrora conferidos às instituições. O indivíduo, ele próprio, tem o dever de zelar por sua segurança, sua saúde, sua educação e sua inserção no mundo capitalista, e, no caso de embaraçar-se com tanta responsabilidade,remeta-se esta falha à sua própria incompetência.
Os destinos do ideário liberal conduziram a humanidade, irônicamente, a uma condição servil. Uma servidão disfarçada com trajes de liberdade. Eis o homem, tantas vezes desorientado a tal ponto de buscar, então, as receitas de auto-ajuda, as receitas farmacológicas, e as receitas que lhe são dadas diariamente pelos apresentadores dos telejornais, dos variados talk shows a lhe dizer como viver a vida.
Os meios midiáticos modelam as escolhas, os comportamentos, os pensamentos, os discursos e tudo o mais nessa vida. Ou pode-se dizer que esta é uma forte tendência determinante em nosso tempo.
Quando falamos em pós-modernidade, ainda fica difícil, complicado, definir ou pensar em perspectivas. Estaria a humanidade irremediavelmente cindida da natureza? Irremediavelmente apartada de sua alma, e voltada definitivamente para seu corpo, sede agora de sua identidade? Estaria o homem desvinculado das causas públicas e sociais e tristemente encerrado em sua individualidade?
Estamos, sim, frente a grandes incógnitas e desafios imensos neste começo de século. Importante pensar que fazemos revolução a cada vez que nos insubordinamos ou não nos rendemos à ordem capitalita, que sabe muito bem o que quer de todos nós.
Nossa revolução é construída em cada gesto solidário, em cada gesto criativo, inventivo, no resgate que fazemos de nossos valores, nossos sentimentos, nossas relações com os outros, de nosso jeito próprio de ser no mundo, enfim.

" Penso que existem múltiplos componentes de expressão que não passam pela linguagem tal como é fabricada pela escola, pela universidade, pela mídia e por todas as formações de poder. A expressão do corpo, a expressão da graça, a dança, o riso, a vontade de mudar o mundo, de circular, de codificar as coisas de outro modo, são linguagens que não se reduzem a pulsões quantitativas, globais. Constituem a diferença." Félix Guattari