terça-feira, 29 de maio de 2012
VAZIO DE SENTIDO
Alguém me procura, dia desses, pedindo-me que indique a seu filho, que se prepara para concursos, um livro sobre competição. Fiquei um tanto surpresa com a solicitação,
prometi pensar no assunto e dar-lhe uma resposta. Estudar para concurso. Que concurso? Muita gente hoje estuda para concurso, e é simplesmente isso. Algo assim um tanto vago, que é bem diferente de estar se preparando para um determinado processo seletivo, o que significa ter em mente um certo objetivo, uma meta com a qual a pessoa se identifique, algo que prometa ao menos fazer algum sentido. Vejo que muitas dessas pessoas encontram-se como numa espécie de limbo, um vazio de significação que as impele a agarrarem-se nesta meta, a preparação para concursos. Assim, algo que é dito de forma bem genérica, sem delimitação alguma: estudar para concurso. Certamente há um vazio a preencher. Vazio de sentido, talvez.
Antes da Modernidade o sentido do viver estava pré-determinado, o destino dos homens era dado por herança. Com a invenção do indivíduo e da liberdade, os pós-modernos são seres criadores do próprio destino, o estilo e as metas pessoais são constantemente escolhidos, e a identidade, longe de corresponder a uma noção estável, torna-se reciclável. É de se compreender a angústia que possa trazer esta responsabilidade de se recriar o tempo todo, de lidar com perspectivas cada vez menos previsíveis.
O rapaz em questão intuiu que era preciso aperfeiçoar-se na arte de competir. Para ser aprovado, selecionado. Parece que sua preparação embasa-se no objetivo de alcançar ou ultrapassar o outro. Este outro que, hoje, parece ser ameaçador.
Fiquei pensando em tudo isso. Talvez por nunca ter nutrido simpatia ou mesmo interesse pela competição, o que certamente não me deixou impune a certas experiências menos felizes, eu diria – fato que a pessoa que me fez a solicitação, que parecia tão animada por referir-se à competição, afinal tão intrínsica, é verdade, ao mundo em que vivemos, capitalista e globalizado, certamente ignorava por completo.
O que engatilhou todas essas reflexões foi a frase: Ele estuda pra concurso. Trouxe-me uma sensação de que este rapaz estuda assim sem norte, sem direção, e que talvez seja assim mesmo que ele se sinta. Foi buscar nos livros sobre competição a segurança que só poderia obter olhando mais para si mesmo...
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