sexta-feira, 12 de março de 2010

O EU E O OUTRO

Há sempre um espelho quando tudo se inicia para o sujeito. Ao se encontrar pela primeira vez, geralmente conduzido pela mão de um adulto, com sua imagem no espelho, a criança pequena tem um instante de júbilo, de encantamento, de surpresa, de espanto, de um misto de sensações que lhe assaltam ao ver um outro igual a si, ao ver sua própria forma tão inteira, ao ver o outro, que lhe aponta e lhe conduz, e ao ver a si mesmo como outro. Somos sempre o outro no espelho. Nasce, assim, uma imagem primeira de si próprio, de um corpo, de um outro, de um mundo, cena onde as personagens se encontram. Aí está o sujeito em sua relação com o mundo, com sua realidade. Realidade sempre permeada pelo outro. O outro que sempre somos, aquele que fomos, aquele que podemos ser, aquele que vamos nos tornar, aquele que gostaríamos de ser. Aquele que nos mira de dentro. E aquele com quem construimos um laço vivo, que nos diz quem somos, que nos ama, nos abraça, nos humaniza.
Esta metáfora do espelho foi brilhantemente utilizada por Lacan, teórico da Psicanálise que reelaborou aspectos da obra de Freud, contribuindo para lançar luz sobre a constituição psíquica do sujeito. O sujeito se constitui, portanto, na relação com o outro.
Abordo este tema para destacar este aspecto singular da espécie humana, em relação a outras espécies. O homem é o único animal que não sobreviverá sem a proteção e os cuidados de seu semelhante. E mais, nem sabe o que é ser humano. O outro terá que ensiná-lo. Pelos cuidados primeiros, pela proteção, pelas palavras, pelo amor. Essas são as condições intrínsicas da humanização.
O caminho que a humanidade vem trilhando desde o início da Modernidade, quando se instituiu a figura do indivíduo como entendemos hoje, caminho que vem se distanciando, não somente da natureza, mas também, e cada vez mais do coletivo , do bem comum, dos valores solidários, e vem marcando o território do indivíduo, da sua liberdade e dos seus interesses próprios, e que nos conduz ao momento atual, presente temeroso e pleno de interrogações em que nos encontramos. A humanidade em processo de sucateamento. O outro não mais nos comove, os laços sociais sofrem um significativo empobrecimento. O homem contemporâneo é um solitário inventor de si mesmo. Paga(quando pode) pelos seus direitos, pela sua saúde, pela sua segurança, pela sua educação.
O indivíduo urbano de classe média tem à sua disposição inúmeras possibilidades virtuais: pode trocar textos, imagens, sons, movimentar a conta bancária, comprar o que quiser, e pode fazer tudo isso isolado em sua casa, sem contato físico com outras pessoas, em seu solitário, seguro e confortável telemundo. Enquanto isto, 2/3 da população do mundo real vivem em condições sub humanas.
É preciso refletirmos sobre tudo isso. Se nos humanizamos só e tão somente na relação com o outro, que rumo é este que o humano está tomando?

Nenhum comentário:

Postar um comentário