terça-feira, 28 de dezembro de 2010

AOS QUE PASSARAM POR AQUI

Milhares de caminhantes andaram por aqui. Guiados pela curiosidade, pela busca de algo ou mesmo em busca de si mesmos, como todos nós, aliás, estamos vida afora.
Quem são eles? Ou quem são vocês? Percorri habitualmente o feedjid em busca de vocês também. De onde vinham, talvez fique melhor de onde teriam vindo, já que a bandeirinha ou nome da localidade nem sempre é fidedigna em relação ao internauta.
- Parece que muitos, ou poucos, não sei, decidem-se por visitar o blog com outra bandeira, ou o computador decide isso por eles, também não sei. Minha observação
fez amizade secreta especialmente com alguns freqüentadores mais habituais. E se alegrou com cada nova visita. Incrível essa possibilidade de estar em contato, tecer uma relação não muito despretenciosa sem saber com quem. Escrever, atirar ou endereçar palavras não ao vento, que as dissiparia, mas a leitores desse mundo virtual pleno de possibilidades e de mistérios.
Iniciei o blog nos primeiros dias de 2010 pensando, na época, em ser bem objetiva. Ouvi alguns conselhos de gente que já tinha alguma vivência de blogs. Ouvi também a turma dos conselhos orientados para a publicidade. Aliás, continuo a ouvi-los, eles são brilhantes. A primeira idéia era a de um blog dirigido para orientação vocacional, para os jovens e futuros profissionais. Já que trabalho com isso. Mas logo foram se apresentando, meio sem aviso, essas outras tendências de mim: a que trabalha com psicoterapia de jovens e adultos, a que escreve, a que gosta de Psicanálise, a que gosta de Psicologia Social, estão todas aí. E, posso garantir, todas sou eu. Que tenho estado com vocês. Obrigada por terem, cada um ao seu modo, estado comigo.

domingo, 12 de dezembro de 2010

O TEMPO PASSA

Todos nós repetimos essa frase, invariavelmente. Assim, meio que normalmente, esteriotipadamente, nostalgicamente. Nostálgica mente. A buscar em nossos baús emoções perdidas, cenas há muito vividas, reprises de nós mesmos , capítulos da nossa história. Dessa história que vamos construindo e que vai nos construindo através do tempo... O destino humano se desenha, se apaga, se redesenha, se colore com as tintas do tempo. No nosso caso, pós-modernos da era do softwear, o tempo é o próprio instante, fugaz, fugidio. Frenéticas vibrações sacodem as horas do nosso sempre insuficiente dia. O prazo de vencimento é cada vez mais curto. Estamos acostumados a descartar, a começar de novo, a supervalorizar o momento, e consequentemente tendemos a perder a perspectiva histórica. Bem, se acreditamos que o homem se constrói na história que vive, ficamos a pensar para onde caminha o habitante deste mundo caracterizado pela velocidade e pela instantaneidade.
O final do ano se aproxima e, como sempre, mesmo que tentemos negar, nos faz uma provocação : qual o sentido que temos dado à nossa vida? Para onde estamos indo? Para onde queremos ir? Estamos felizes? Como vamos assumir nossos desejos? Balanço me parece uma palavra muito contábil. Mas talvez por isso mesmo o fim de ano seja tão forte, tão pleno de significado. O significado do nosso viver.
Nosso blog, A ESCOLHA DO CAMINHO, iniciou sua trajetória no primeiro dia do ano. Tem sido sempre surpreendente e algo mágica, posso dizer, essa relação diária com cada seguidor que o descobre e me ajuda a inventá-lo. Tem sido uma caminhada permanentemente recriada. A sensação que me dá muitas vezes é a de que não sei que blog é este. Nunca soube. Ele sempre me surpreende. Como todos os caminhos e todas as escolhas. Que nunca são aquilo que esperávamos.

domingo, 28 de novembro de 2010

SOBRE ESCOLHAS E CAMINHOS

As escolhas possíveis são infinitas. Surgem e ressurgem, somam-se às já existentes, ou as fazem caducar, tornando-as obsoletas. Mais, mais e mais... A confundir, a angustiar, a fazer pensar, a não saber o que fazer... ou a nos servir, calhar-nos mais ou menos adequadamente, mais ou menos felizmente. A instigar nosso desejo. A elas temos que dizer sim, não, ou talvez, quando o prazo permite... Quando simplesmente achamos ter feito uma boa escolha, alguma outra possibilidade surge a nos provocar: não teria sido melhor? Teríamos feito a coisa certa?
Enfim, o mundo contemporâneo é este caldeirão de infinitas possibilidades, que se apresentam com a velocidade estonteante que dita o ritmo de nossos dias. Os automóveis, as tecnologias, as modas, as profissões, especializações, as aplicações, publicações, os roteiros de férias, os shopping centers, restaurantes, os lanches da propaganda, a roupa e o cabelo, as cores do ano, os sapatos da última coleção... Queremos muito, queremos mais, queremos exercer nosso direito de escolha.
A grande contradição reside, porém, no modo como somos “escolhidos” pelo sistema capitalista integrado, pela mídia, como somos cooptados full-time enquanto nos sentimos livres. Sim, enquanto nos sentimos livres, como bons modernos, temos o olhar capturado em hipnose pelas telas brilhantes a nos empanturrar de imagens e discursos. Rápido, já que amanhã é outro dia... A grande contradição é esta. Somos “escolhidos pela mega fábrica de subjetividade que nos ronda, nos invade, nos submete. Enquanto nos sentimos livres...
Contraditórias também são, por um lado, as pressões nosentido de igualar, homogeneizar, consumir, ” clique aqui e compre já”,” ajuste-se ao ideal capitalista de hoje”, e, bem por outro lado, a tendência individualizante, singularizante. Por um lado, sejamos todos iguais, necessariamente, como quer o mercado, a mídia, o capitalismo globalizado. Ao mesmo tempo, as identidades vêem-se cada vez mais em busca de suas diferenças, esforço tão mais árduo quanto mais submetidas estiverem à massificação.
Deste modo, nossas escolhas são permeadas por inevitáveis angústias e temores. Ansiamos por resgatar nossas certezas, e, muito pelo contrário, não localizamos o norte da bússola a nos orientar. Ainda mais do que sempre, precisamos contar com nossos recursos próprios, nossa coragem, nossa capacidade criativa e, é preciso salientar, nosso senso ético e de responsabilidade a guiar nossos caminhos, nossas escolhas.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

MUITO ALÉM DO ENEM

No próximo final de semana você, que pretende conquistar uma vaga em alguma universidade brasileira, será posto à prova.E certamente está sob efeito daquela ansiedade que acompanha momentos decisivos da nossa vida. Aliás, é bom falar "nossa vida", porque parece nos assaltar, nessas ocasiões, uma sensação de que tudo se resume àquela hora, àquela circunstância, aquele fato. É sempre importante lembrar que estamos em movimento. O movimento da vida, do universo, e o nosso próprio movimento. Esse momento não se estanca aqui, e também não brotou do nada. Portanto,se você vai prestar Enem, é porque construiu as condições necessárias para chegar aqui, e se chegou aqui, você está vivendo uma fase crucial da sua história. Você está traçando o seu projeto de vida.Decidindo quem você é, quem você será, que papel será o seu nesse mundo, o que você vai fazer da sua vida.E a vida é tão rara...
Como diz Lenine.
Bem, é por isso que algo muito além do Enem está em jogo. Muito além do que você sabe, do que não sabe, dos acertos e dos erros, das notas e das classificações. Muito além de tudo que possa acontecer nos dias de prova, está a vida que você está construindo.

domingo, 24 de outubro de 2010

sábado, 23 de outubro de 2010

O NORMAL TEM LUGAR EM NOSSO TEMPO?

Recentemente, durante um encontro com pais de alunos de uma escola onde fui convidada a falar sobre adolescência, um dos presentes lançou esta pergunta: como saber o que é normal e o que não é? É evidente que o pai em questão referia-se ao adolescente saudável e o adolescente que mereceria uma preocupação a mais ou mesmo uma indicação terapêutica. Pensando assim, em termos de saúde emocional, podemos pensar que pode ser preocupante o adolescente que não se rebela, que não questiona, que não se diferencia, já que a consolidação da identidade passa necessariamente por essas tensões.
Agora, sobre a palavra normal, aquilo que está dentro da norma, é de se pensar como fica a normalidade numa sociedade em que cada vez mais nos distanciamos da norma, da tradição, da lei. A Modernidade Líquida, segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, ou a pós- modernidade, esse tempo que é o nosso, esse mundo desestabilizado, mundo sem certezas, sem modelos a seguir, mundo das inesgotáveis possibilidades em oferta, parece não ser exatamente o espaço propício para o “normal”. Se na Modernidade a experiência da desestabilização estava associada à loucura , à doença e ao fracasso, no mundo de hoje a instabilidade, a frequente e inevitável necessidade de reconfigurações a que são submetidas as subjetividades, e a consequente fragilização que acomete os sujeitos agora se generaliza, acercando-se de uma normalidade. As subjetividades, no contemporâneo, são constantemente bombardeadas pelos mass mídia, as propagandas infindáveis que nos invadem a qualquer momento em casa, nas ruas, na tela do computador, as mensagens do capitalismo mundial integrado a nos induzir a comprar, os produtos que nos seduzem e que tão rapidamente esgotam suas validades e precisam ser substituídos numa corrida incansável contra a defasagem, numa luta incessante para manter a sensação de fazer parte, de estar atualizado, não ficar à margem de toda essa engrenagem. Difícil dizer o que é normal num mundo tão frenético que por si já nos remete a alguma insanidade.

domingo, 5 de setembro de 2010

RECADO AOS VESTIBULANDOS

Abertas as inscrições para o vestibular da UFRGS, eis que os futuros vestibulandos vivem um primeiro momento de aproximação, pode-se dizer, da realidade para a qual se preparam. Realidade que extrapola em muito a realização de provas de conhecimento e da busca de aprovação para ingresso na universidade. É muito mais do que isso. É o real de uma vida adulta que se aproxima. Tarefas complexas precisam ser cumpridas: a escolha de um papel a desempenhar, um projeto de vida a desenvolver na sociedade. Certamente, é bem mais do que ingressar na universidade.Ou mesmo do que fazer a escolha do curso. Justamente, o que "está em curso" é a futura vida adulta em seus primeiros passos, marcados por hesitações, dúvidas, às vezes até mesmo bloqueios, ansiedade, angústia. Já que o caminho a percorrer é inevitavelmente permeado por riscos e incertezas. Afinal, como é isto, ser adulto ?
Pois meu recado aos que estão agora se inscrevendo para o vestibular é para que não esqueçam desse algo maior que está em jogo na inscrição, ou mesmo na escolha do curso. Esse algo maior que é o próprio sentido da vida.

sábado, 28 de agosto de 2010

PAIS E FILHOS - O SIGNIFICADO DA VIDA

A relação de pais e filhos é fundadora, e em seu curso se firmam leis, valores, experiências e amores. Que vão dando sentido à vida. E constituindo o sujeito, sua história, sua identidade. Relação fundamental, encadeada na sucessão de gerações,portanto, antecedida por outras que lhe foram modelos, e a servirem de referência a outras ainda, que lhe serão posteriores.O curso da vida, da história humana, que se constrói na vivência dos laços sociais, na relação com o outro. O indivíduo, portanto, traz em si, em seu íntimo, a marca inevitável do social.
A relação de pais com filhos é determinante já desde as primeiras expectativas, os primeiros desejos, projetos acerca do filho ainda inexistente. O que se quer para ele, o que se espera dele,que nome se lhe dá, de que forma, enfim esse filho vai se inscrevendo no desejo dos pais. Uma relação que é permeada, em seu curso, pelo caráter paradoxal, já que, para sobreviver, a criatura humana necessita dos cuidados do outro, e, ao mesmo tempo, para se constituir como sujeito, precisa se independizar desse outro.Esta contradição se faz presente em muitos momentos do desenvolvimento, e já desde o nascimento, quando a vinda ao mundo acontece com a separação. Se o bebê humano foi um só com o corpo materno, nascer significa começar um processo de individuação. E vão se sucedendo, ao longo da vida, tais momentos. Que são sempre, de forma inevitável, experiências de aprendizado e autoconhecimento marcadas pelas dores da perda e pelas alegrias do crescimento. É a vida...O desmame, os primeiros passos, a primeira ida à escola,pais e filhos vão se construindo e reconstruindo nesse movimento pleno de encontros, desencontros, conflitos, risos, lágrimas, apegos, amores e descobertas. Sim, porque não se nasce sabendo como ser pai, como ser mãe, como ser filho. A gente vai aprendendo no próprio curso dessa história, que é uma hitória, por um lado, como todas as outras, por outro, muito singular, muito própria.

domingo, 11 de julho de 2010

REPETIR E MUDAR

Uma cena da minha infância que sempre me vem à memória é a da reunião da grande família em redor da mesa de refeições. Ocasião em que, em torno do alimento, acontecia habitualmente a revelação das diferenças dos membros do grupo em seus gostos, desgostos, preferências, recusas e até mesmo repulsas. Alguém, por exemplo, apesar de nunca ter comido tomate, alegava dele não gostar, outro cuspia a batata que tentavam obrigar-lhe a comer, e havia também o que requeria toda a atenção materna por ser aquele que "não comia nada". E se todos comiam manteiga, alguém certamente só aceitava margarina. De minha parte, lembro de certa intolerância ao leite, que, em nome da boa educação alimentar, minha mãe exigia que se tomasse. Lembro deminha especial preferência pelo café preto. Símbolo, talvez, do que eu pudesse considerar próprio de gente grande, o café com pão era minha refeição preferida. Costumava saborear com prazer a repetição da bebida bem quente e açucarada, com mais fatias de paão com manteiga. Pois um dia, ao ver-me pedindo mais, alguém disse algo que manchou para sempre a pureza daquele momento de satisfação: " O segundo café nunca é igual ao primeiro." Inesquecível este meu encontro com a verdade da incompletude do prazer, com a inevitabilidade da falta, da perda e da impossibilidade. Enfim,o que foi nunca mais será.
Eis aí uma questão essencial da vida humana, o encontro marcado com isto que já não é mais, aquele que já fomos, com o que se passou e, no entanto, tantas vezes buscamos alcançar.
O ser humano é irremediavelmente impelido a repetir. Repete porque busca alcançar este algo de conhecido e de desconhecido que resta sucumbido em seu íntimo. Freud, na genialidade de sua produção, nos fala do conhecido e do estranho como faces duplas daquilo que somos. Conhecido porque é aquilo que somos novamente, mais uma vez e repetidadmente. Desconhecido e estranho porque, neste ato de repetição, necessariamente nos topamos com algo diferente,novo.
Tentamos repetir o mesmo desenho e linhas inusitadas teimam em surgir.E o desenho fica outro. Na tentativa de copiarmos a receita geralmente acabamos descobrindo que algum detalhe diferente nos faz experimentar um novo sabor. E assim também em nossas escolhas amorosas, profissionais, escolhas de vida, há algo ali que insiste em repetir-se. E sempre algo que, felizmente, teima em nos surpreender.
Seguem abaixo duas telas da artista plástica Adriana Rocha, a nos mostrar, como a arte sempre o faz, que o céu nem sempre é azul, que há , enfim, infinitos jeitos de representar alguma coisa, de dizê-la, de olhá-la, de vivê-la.

PINTURAS DA SÉRIE "CÉUS PORTÁTEIS", DE ADRIANA ROCHA

terça-feira, 29 de junho de 2010

A PREPARAÇÃO PARA O VESTIBULAR

Já próximos do final do semestre, passados os meses de ambientação aos cursinhos
e à própria condição de pré-vestibulandos, abertas as inscrições para o Enem, parece
que o momento é de tomada de consciência, momento adequado para um primeiro recado a todos que estão se preparando para prestar vestibular.
É comum que os pré-vestibulandos sejam acometidos de crises de " não sei nada",
"parece que esqueci tudo", pensamentos que são recorrentes e que se caracterizam pela sua radicalidade.Basta que prestemos atenção às palavras:"tudo" e nada", os extremos radicais onde muitas vezes localizamos nossas ações e nossos sentimentos, que, na verdade, são sempre a expressão de nossas possibilidades reais, e, portanto, de nossos limites. Nunca fazemos nada. E nunca fazemos tudo. Mas sempre e simplesmente o que podemos. Ótimo quando podemos ficar felizes com o "tudo" que nos é possível.
Outra coisa bem importante é assumir um jeito próprio de estudar. A gente só aprende de verdade quando se envolve, quando faz daquele momento do estudo um momento proveitoso, que tem sentido. Pensar sobre as coisas, estabelecer relações, obter uma compreensão própria do que estamos estudando. Se não, ficamos robotizados frente às aulas, aos livros e cadernos.
Muitos estudantes sentem culpa ao se envolverem com as experiências habituais de suas vidas porque estariam "perdendo tempo". Sentem-se culpados se vão se divertir, se vão viajar ou namorar. Escuto muito que o namoro "atrapalha" neste período de preparação para o vestibular.
A palavra "vestibular" deriva de "vestíbulo", aquela peça introdutória nos prédios, que dá acesso ao seu interior, e que não fica nem dentro nem fora. Pois é bem assim que os vestibulandos parecem sentir-se. Sem um lugar próprio, prestes a ter acesso a ele, mas cheios de angústia por nada saberem deste futuro. Este momento, portanto, é vivido como um intervalo. Embora, é claro, não passe de uma fase da vida. Que, simplesmente, tem que ser vivida. Em vez de evitar tudo que não se refira ao estudo, mais importante é aprender a dosar-se, buscar equilíbrio e organização na rotina.
Outra questão, e talvez "a questão", é um pré-requisito para vencer essa fase. Trata-se do sentido que damos para nossas experiências. Sim, é preciso se perguntar sobre que sentido tem o vestibular, para quê estamos estudando, qual é nosso projeto. Porque é por isso que se faz vestibular. Para dar curso ao nosso projeto de vida, para assumir nosso papel no mundo. O papel que escolhemos desempenhar.

sábado, 12 de junho de 2010

domingo, 6 de junho de 2010

CORPO E ALMA

Belos corpos ilustram abundantemente as propagandas da indústria da nutrição e da beleza. Revistas e telas de tv e computador impõem suas mensagens, adentram as subjetividades, ditam comportamentos, incitam desejos. Fabricam sujetividade em massa.
A megaindústria associada da beleza, da nutrição e da saúde coloca no mercado constantemente uma infinidade de produtos que prometem reparar, aperfeiçoar, renovar o corpo, livrá-lo das marcas do tempo e da vida. Também a indústria farmacológica promete alívio e cura a toda sorte de sintomas decorrentes do modo de vida acelerado e sujeito a tantas pressões que caracteriza a sociedade contemporânea.
Se em outros tempos a sede do ser, da própria identidade, era a alma, e sacrifícios de toda sorte eram utilizados com o nobre fim de purificá-la e salvá-la, aperfeiçoá-la, hoje, em nosso tempo, o corpo passa a se constituir no lugar de sede identitária. Contraposta à eternidade da alma está a finitude do corpo, com seu prazo de validade. E,se outrora,a salvação da alma era a essência da finalidade da vida humana, hoje vive-se a urgência de salvar o corpo, recuperá-lo todos os dias, buscar receitas de bem viver e de resgate da saúde, da beleza e do vigor do corpo.
Se, também em outros tempos, o homem, seu comportamento e suas ações
se definiam por seu lugar na sociedade, hoje, ao contrário,verifica-se a alta dos sentimentos hedonistas, do individualismo, da perda de sentido das causas sociais,uma sociedade onde cada um cuida de si, onde impera o "eu primeiro".
Se, ainda, em outros tempos, a política era o lugar do exercício da cidadania, para onde convergiam os interesses de todos, hoje ela é vista como o espaço da mentira e do roubo, enquanto a publicidade passou a ocupar esse lugar, e é assim que vêem-se atualmente os anúncios publicitários comprometidos com a cidadania, a ecologia e com os interesses gerais e comuns da sociedade. E as propagandas prometem cuidados e orientações para a vida de todos nós.
Cuidar do corpo, portanto, significa hoje o melhor meio de cuidar de si mesmo, de se afirmar, de sentir-se bem e feliz. Exigências sem fim são feitas ao corpo, coagindo-o a apresentar-se cada vez mais e obrigatóriamente saudável,jovem e capaz de produzir prazer.Cabe a cada corpo estar permanentemente preparado para ser visto, exposto, filmado, fotografado.
Se o homem contemporâneo parece tão alienado de sua ligação com a natureza e com os outros homens, se parece tão concentrado em suas próprias causas, seu próprio corpo, torna-se acima de tudo importante que busquemos o resgate desse mundo sensível, ao invés das imagens, o resgate da aproximação entre os homens, do valor da coletividade. E talvez possamos nos reconciliar com nossa essência mais humana. Com nossa alma humana.

terça-feira, 18 de maio de 2010

AS CRISES

Há, no decorrer do desenvolvimento humano, momentos de crise. Estamos habituados a associar crise com algo que não deveria acontecer, algo que se estraga, que se passa de um jeito errado ou que deveríamos evitar.
Proponho, no entanto, olharmos a crise como um momento importante, necessário ao desenvolvimento.
A crise é, sem dúvida, um momento de desacomodação. Um fora de lugar. Algo certamente veio abaixo. Digo que é importante porque muitas vezes é preciso des-acomodar, colocar abaixo para fazer um novo arranjo, ver surgir uma nova ordem.
Assim são as crises. Há muitas no curso da vida. Basta pensarmos no bebê que um dia foi um só com o corpo materno, um dia sentiu-se enlaçado nesta fusão indescitívelmente única e paradisíaca, da qual nos resta para sempre uma nostalgia. Um dia, no entanto, numa primeira crise, o bebê nasce. E chega o dia em que é desmamado, e chega o dia em que ele percebe, no espelho, a imagem de seu próprio corpo, inteiro, ao lado do adulto que lhe aponta e lhe diz: "olha lá, é você!" Momento crítico de tomada de consciência primeira de seu corpo, de sua individualidade. Vem também o dia em que esse bebê arrisca soltar-se das mãos que o amparam e inicia uma caminhada própria. O dia de sua entrada na escola, a adolescência, esta fase em que se constrói um indivíduo com sua visão própria do mundo, todos esses são momentos de crise. Algo se acaba. Algo está por ser criado. A crise é um inevitávelperder-se para voltar a encontrar-se em um novo lugar. E como gostamos de pensar que temos nosso lugar certo e garantido. Pois as crises da vida nos ensinam que viver é uma constante busca de definição desses lugares. As crises abrem sempre espaço para a criação, a renovação, a invenção de nós mesmos. De novo e sempre.

domingo, 9 de maio de 2010

VIVER E MUDAR

Mudanças...Migrar de um lugar conhecido, onde se fez história,para ocupar um outro, começar de novo, redescobrir-se.
Na primeira semana de maio mudei para novo endereço. Perdi minha conexão com a internet, e, consequentemente com o blog, que pareceu abandonado. Devo dizer que não, apenas precisei deste tempo para mergulhar nesse processo que invariavelmente nos desloca de nosso mundo previsível. A bagunça que necessariamente se instala é prenunciadora de uma nova ordem. É uma verdadeira crise que se passa a viver. Perde-se a segura noção de onde estão todas as coisas, dos lugares que lhes atribuimos, dos hábitos que preenchem organizadamente nossos dias.
É trabalhosa, desgastante, todos dirão, a mudança. Transtornante, desorientadora, até caótica pode ser.
Mudar de residência, mudar de cidade, mudar de escola, de ano letivo, mudar de curso, de emprego, de namorada(o), de professor, de carro, de corte de cabelo, mudar de idade, mudar de vida...
As mudanças nos exigem porque necessariamente perdemos aqueles que não seremos mais, e estranhamos aqueles que passamos a ser. É nesse movimento tão difícil e trabalhoso quanto rico e feliz, que transcorre a própria vida.
Quanto a mim, hoje feliz com os resultados da minha mudança, retomando aqui a escrita dos textos para o blog, confirmo para mim mesma que é fundamental este movimento de renovação. E que é preciso ter coragem de mudar. E viver...

quarta-feira, 21 de abril de 2010


"ALMOÇO NO ALTO DE UM ARRANHA-CÉU", DE CHARLES EBBETS,1932

O TRABALHO E SUAS CONTRADIÇÕES

A palavra trabalho, de origem latina, do vocábulo "tripalium" antigo instrumento de tortura utilizado pelos romanos, marcou fortemente o significante com a sina da violência, da brutalidade e da indignidade que a história lhe conferiu, ao longo dos tempos. Por mais que a Modernidade e a moral burguesa tenha proclamado a dignidade do trabalho e, com isso, tenhamos adquirido a possibilidade de associarmos o trabalho à ação humana extremamente avançada em termos técnicos e engendrada em sofisticadas redes de relações, ou que possamos ter hoje cenários e ambientes de trabalho confortáveis e prazerosos, e por isso se possa falar e pensar em felicidade no trabalho,é invitável que ele conserve este registro de crueldade, penalidade e sofrimento.
Pode-se dizer que, ao longo da história, foi no trabalho que o homem se humanizou, e no trabalho foi também que o ser humano experimentou, paradoxalmente, sua condição mais degradante e desumana.
As origens mais remotas do trabalho coincidem com as próprias origens da humanidade. O primeiro trabalhador foi o longínquo homo faber, ancestral hominídio que um dia criou e manejou instrumentos com seu corpo, com a finalidade de sobreviver e modificar a natureza.Temos aí a origem humana e criativa do trabalho.
Seja na escravidão do Mundo Antigo ou na servidão medieval, foi o trabalho dessa massa de homens que nem sequer como tal eram considerados, que gerou o sustento e produziu a riqueza da sociedade ocidental.O óscio, nessas sociedades, era considerado o grande privilégio ou direito de uma camada social distinta por sua dignidade e superioridade. Foi a sociedade capitalista que inventou o neg-ócio - a negação do ócio, conferindo, assim, novos sentidos ao trabalho humano.
Podemos ver que o trabalho, por suas determinações históricas, está, portanto, marcado por forte ambivalência e contradição. Por um lado, esta sina que caminha pela via da escravidão humana, do trabalho indigno, do trabalho alienado e sem sentido, da falta de oportunidades, da usurpação do homem pelo homem, que, longe de terem sido páginas viradas na história, compõem, ainda nos dias de hoje, o cenário de gigantescas e brutais contradições presentes no mundo em que vivemos. E por outro lado, caminha a ação criativa promotora do crescimento e do desenvolvimento humano, que nos permite, sempre, conferir sentido ao nosso viver, modificá-lo e recriá-lo.

domingo, 4 de abril de 2010

A REVOLUÇÃO DA DIFERENÇA

Ao navegar pelos canais televisivos, podemos encontrar variadas opções de um tipo de programação que prolifera nos dias de hoje: são os talk shows, onde personalidades do meio artístico, social e político, pessoas conhecidas públicamente, são entrevistadas. O que se observa nessas entrevistas é o famoso falando a respeito de sua privacidade, seus hábitos, seus relacionamentos, e inevitávelmente passando a dar dicas e conselhos ao público. São aconselhamentos a respeito de como se alimentar,de como exercitar seu corpo, de como manter-se jovem, belo, saudável, bem sucedido, o que se pode entender como uma orientação de bem viver, de ser feliz. Revistas, jornais, a internet, e todo o vasto conjunto dos mass mídia oferecem uma vasta gama de opções dessa atual modalidade de orientação do comportamento das massas.
Por que razões a vida privada torna-se matéria pública, por que razões as pessoas buscam orientar-se em suas vidas baseando-se nesses modelos?
Na contemporânea sociedade de massas o indivíduo é tão "livre" que passa a sofrer de solidão e desamparo. A interação com o outro, seja no âmbito da família ou no social, encontra-se francamente empobrecida, desmerecida. A vida pública, esvaziada. O estado não protege mais seus cidadãos, o capital decide os rumos da humanidade, o comportamento é moldado pela mídia, e tende a ser homogeneizado, em detrimento da singularidade, da diferença.
O caminho inaugurado na Modernidade em direção à individualidade e à liberdade, deu no que deu. Se antes o estado, a família e a religião ditavam os destinos humanos, hoje quem ditará as regras de ser e de viver? Voltaram-se para o próprio sujeito antigas e tradicionais responsabilidades outrora conferidos às instituições. O indivíduo, ele próprio, tem o dever de zelar por sua segurança, sua saúde, sua educação e sua inserção no mundo capitalista, e, no caso de embaraçar-se com tanta responsabilidade,remeta-se esta falha à sua própria incompetência.
Os destinos do ideário liberal conduziram a humanidade, irônicamente, a uma condição servil. Uma servidão disfarçada com trajes de liberdade. Eis o homem, tantas vezes desorientado a tal ponto de buscar, então, as receitas de auto-ajuda, as receitas farmacológicas, e as receitas que lhe são dadas diariamente pelos apresentadores dos telejornais, dos variados talk shows a lhe dizer como viver a vida.
Os meios midiáticos modelam as escolhas, os comportamentos, os pensamentos, os discursos e tudo o mais nessa vida. Ou pode-se dizer que esta é uma forte tendência determinante em nosso tempo.
Quando falamos em pós-modernidade, ainda fica difícil, complicado, definir ou pensar em perspectivas. Estaria a humanidade irremediavelmente cindida da natureza? Irremediavelmente apartada de sua alma, e voltada definitivamente para seu corpo, sede agora de sua identidade? Estaria o homem desvinculado das causas públicas e sociais e tristemente encerrado em sua individualidade?
Estamos, sim, frente a grandes incógnitas e desafios imensos neste começo de século. Importante pensar que fazemos revolução a cada vez que nos insubordinamos ou não nos rendemos à ordem capitalita, que sabe muito bem o que quer de todos nós.
Nossa revolução é construída em cada gesto solidário, em cada gesto criativo, inventivo, no resgate que fazemos de nossos valores, nossos sentimentos, nossas relações com os outros, de nosso jeito próprio de ser no mundo, enfim.

" Penso que existem múltiplos componentes de expressão que não passam pela linguagem tal como é fabricada pela escola, pela universidade, pela mídia e por todas as formações de poder. A expressão do corpo, a expressão da graça, a dança, o riso, a vontade de mudar o mundo, de circular, de codificar as coisas de outro modo, são linguagens que não se reduzem a pulsões quantitativas, globais. Constituem a diferença." Félix Guattari

terça-feira, 30 de março de 2010



DUAS MULHERES CORRENDO PELA PRAIA, DE PICASSO

domingo, 28 de março de 2010

A VERDADE DO SUJEITO

Acompanham a humanidade, ao longo de sua história, a força da tradição, do costume e, por outro lado, a revolução, a busca da aventura e da mudança. É humano habituar-se,acomodar-se, acostumar-se. E felizmente não menos humano,e talvez mais ainda, criar, inquietar-se, ansiar pelo novo.Assim caminha o desenvolvimento humano. Num movimento repleto de desacomodações, que geram mudança de comportamento e novas compreensões.
Em nossas vidas cotidianas,vivemos igualmente essa contradição, entre o conhecido, o habitual eo confortável, e, por outro lado, o novo, o arriscado, o diferente.Pode-se dizer que aí esteja a essência do desafio de nosso viver. Tendemos a repetir padrões de comportamento, padrões emocionais, estes que tanto conhecemos, que nos caracterizam até e que às vezes nos incomodam por sua insistência. São comportamentos sintomáticos.Há sempre algo que desconhecemos profundamente aí. Paradoxalmente, os sintomas nos conferem alguma segurança, ao mesmo tempo em que nos causam sofrimento, angústia, aborrecimento. Trata-se de algo que insiste, para além de nossa vontade. Somos o que não gostaríamos de ser, sentimos o que nos pesa, nos oprime, ignoramos o que desejaríamos saber. Uma cadeia que nos aprisiona e frustra. Queremos mudar.
A psicoterapia - refiro-me aqui específicamente à psicanálise, ou à orientação psicanalítica - é uma caminhada onde nos vemos com esses processos. É a busca, através da palavra dita e ouvida, de novos sentidos, novas possibilidades de ser. Para tanto
torna-se necessário aceitarmos que estamos implicados em nossos sintomas, que eles não são meros eventos isolados. Trata-se de irmos ao encontro do que desconhecemos de nós mesmos. Rever nossa própria história, reconhecer nosso próprio desejo, desembaraçar-mo-nos de nossos fardos. Encontrar sua verdade, eis aí o objetivo do sujeito em análise.

domingo, 14 de março de 2010

O VALOR DO AMANHÃ

O economista e filósofo Eduardo Giannetti, em seu livro O VALOR DO AMANHÃ, da Cia das Letras, utiliza-se dos juros não como categoria econômica, mas serve-se do termo para analisar com muita originalidade e inteligência o embate entre a impulsividade e a atração pelo prazer, por um lado, e os cuidados com o amanhã, garantidos com prudência e ponderação calculistas, por outro.
Nossas escolhas estão inevitavelmente marcadas por essas duas tendências, presente e futuro medindo forças incessantemente na tomada de nossas decisões.
" O desejo incita à ação; a percepção do tempo incita o conflito entre desejos. O animal humano adquiriu a arte de fazer planos e refrear impulsos. Ele aprendeu a antecipar ou retardar o fluxo das coisas de modo a cooptar o tempo como aliado dos seus desígnios e valores.Isto agora ou aquilo depois? Ousar ou guardar-se? São perguntas das quais não se escapa. Mesmo que deixemos de fazê-las, agindo sob a hipnose do hábito ou em estado de "venturosa inconsciência", elas serão respondidas por meio de nossas ações. Das decisões cotidianas ligadas a dieta,saúde e finanças às escolhas profissionais, afetivas e religiosas de longo alcance, as trocas no tempo pontuam a nossa trajetória no mundo."
É com esse texto interessante que Eduardo Giannetti inicia seu livro, que, po sinal, estou lendo e recomendo. A seguir, um vídeo que ilustra muito bem a temática da obra, com a participação do próprio autor.

sábado, 13 de março de 2010


MENINA DIANTE DO ESPELHO, TELA DE PICASSO

sexta-feira, 12 de março de 2010

O EU E O OUTRO

Há sempre um espelho quando tudo se inicia para o sujeito. Ao se encontrar pela primeira vez, geralmente conduzido pela mão de um adulto, com sua imagem no espelho, a criança pequena tem um instante de júbilo, de encantamento, de surpresa, de espanto, de um misto de sensações que lhe assaltam ao ver um outro igual a si, ao ver sua própria forma tão inteira, ao ver o outro, que lhe aponta e lhe conduz, e ao ver a si mesmo como outro. Somos sempre o outro no espelho. Nasce, assim, uma imagem primeira de si próprio, de um corpo, de um outro, de um mundo, cena onde as personagens se encontram. Aí está o sujeito em sua relação com o mundo, com sua realidade. Realidade sempre permeada pelo outro. O outro que sempre somos, aquele que fomos, aquele que podemos ser, aquele que vamos nos tornar, aquele que gostaríamos de ser. Aquele que nos mira de dentro. E aquele com quem construimos um laço vivo, que nos diz quem somos, que nos ama, nos abraça, nos humaniza.
Esta metáfora do espelho foi brilhantemente utilizada por Lacan, teórico da Psicanálise que reelaborou aspectos da obra de Freud, contribuindo para lançar luz sobre a constituição psíquica do sujeito. O sujeito se constitui, portanto, na relação com o outro.
Abordo este tema para destacar este aspecto singular da espécie humana, em relação a outras espécies. O homem é o único animal que não sobreviverá sem a proteção e os cuidados de seu semelhante. E mais, nem sabe o que é ser humano. O outro terá que ensiná-lo. Pelos cuidados primeiros, pela proteção, pelas palavras, pelo amor. Essas são as condições intrínsicas da humanização.
O caminho que a humanidade vem trilhando desde o início da Modernidade, quando se instituiu a figura do indivíduo como entendemos hoje, caminho que vem se distanciando, não somente da natureza, mas também, e cada vez mais do coletivo , do bem comum, dos valores solidários, e vem marcando o território do indivíduo, da sua liberdade e dos seus interesses próprios, e que nos conduz ao momento atual, presente temeroso e pleno de interrogações em que nos encontramos. A humanidade em processo de sucateamento. O outro não mais nos comove, os laços sociais sofrem um significativo empobrecimento. O homem contemporâneo é um solitário inventor de si mesmo. Paga(quando pode) pelos seus direitos, pela sua saúde, pela sua segurança, pela sua educação.
O indivíduo urbano de classe média tem à sua disposição inúmeras possibilidades virtuais: pode trocar textos, imagens, sons, movimentar a conta bancária, comprar o que quiser, e pode fazer tudo isso isolado em sua casa, sem contato físico com outras pessoas, em seu solitário, seguro e confortável telemundo. Enquanto isto, 2/3 da população do mundo real vivem em condições sub humanas.
É preciso refletirmos sobre tudo isso. Se nos humanizamos só e tão somente na relação com o outro, que rumo é este que o humano está tomando?

quarta-feira, 3 de março de 2010


DÚVIDA, TELA DE ANNA GUERRA

O RISCO QUE É VIVER

Na vida, tendemos à preocupação com as definições, com o acabamento das coisas.
Desejaríamos saber como tudo vai transcorrer, como vai acabar, que resultado obteremos a partir de nossos investimentos.
Decidimos e escolhemos o tempo todo. A comida que comemos, a roupa que usamos, as palavras que diremos e as que calaremos, se compramos ou poupamos, se beijamos ou abraçamos, se brigamos ou perdoamos, se ousamos ou nos reservamos. A profissão, o namorado, a namorada, com quem ficar na festa, se acreditamos ou desconfiamos, se amamos ou gostamos...
Quem somos nós? É a pergunta que parece que temos que responder todo dia. Ficamos a idalizar alguém que seja feito de certezas, e que possa escapar a esse destino de dúvida, de angústia, de questionamento. Desejamos às vezes ficar descansados de nossas inquietações, ancorados num sereno saber que nos proteja do risco. Do risco de errar, do risco de ter que voltar,de ter que pensar melhor, do risco de desmanchar tudo e construir de novo... Às vezes queríamos estar abrigados, seguros, inabalados, inatingíveis.
Impossível, pelo menos para os vivos, escapar do movimento surpreedente e incontrolável da existência.
Michel Foucault, filósofo francês que pensou as relações entre o saber e o poder de uma maneira bastante original e esclarecedora, é quem nos diz :

" Não considero necessário saber exatamente quem sou. O que constitui o interesse principal da vida e do trabalho é que eles lhe permitem tornar-se diferente do que você era no início. Se, ao começar a escrever um livro, você soubesse o que irá dizer no final, acredita que teria coragem de escrevê-lo? O que vale para a escrita e a relação amorosa vale também para a vida. Só vale a pena na medida em que se ignora como terminará. "
Foucault, Michel; Coleção Ditos e Escritos, vol v, Rio de Janeiro,ed. Forense Universitária

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O PRIMEIRO DIA

A intensa luz do mundo e seus ruídos estranhos invadiram o pequeno ser que, chorando seu primeiro choro, foi amparado por grandes e firmes mãos. Já não era mais aquoso o ambiente, nem morno, e muito menos confortável. A princípio, era assustador. As grandes mãos o seguram, manuseiam, os sons estranhos se misturam. E agora ele respira. Então, o conhecido som devolve-lhe sensações já conhecidas. O calor, os olhos nos olhos, a primeira conexão, o primeiro laço. O corpo materno é seu lar. O pedaço de mundo seguro,onde pode construir a confiança no mundo.
O nascimento, essa primeira viagem de separação é o primeiro trauma humano. E é também o início (ou mais ou menos isso, já que a história sempre nos precede) de uma trajetória:a vida, os laços humanos, o relacionamento com o outro. Aí estão as raízes de nossas experiências com as ligações, os laços e, por outro lado, com as separações. Como fomos recebidos, desejados ou não, que contexto permeou esse nascimento, a história de nossos pais, são fatores que determinam como passamos por tudo isso, e muito do que viremos a ser.
E haverá outros primeiros dias. Em que aquelas sensações e experiências primordiais como que darão sinais de que estão ali, dentro de nós, de que já passamos por algo parecido. Parecido e diferente.
O primeiro dia de pré-escola, por exemplo. Dependendo de como estávamos preparados para aquela primeira separação, de como nossos pais estavam preparados e souberam ou não nos autorizar com segurança e tranquilidade a viver nossa primeira experiência com o mundo sem a intermediação deles, podemos ter nos saído melhor ou tido alguma dificuldade.
O primeiro dia no cursinho. Já não estamos entre nossos colegas conhecidos, não somos mais aqueles despretenciosos alunos de segundo grau, e parece que tampouco sabemos muito quem somos agora.
E assim o primeiro dia de aula na universidade. O estranhamento, as descobertas, as inseguranças, as dúvidas, e a alegria. Não sabemos como vão se passar as coisas. O futuro sempre a provocar e interrogar o espírito humano. O que sabemos, e é isso que nos contenta, é que estamos amadurecendo, estamos inventando nosso próprio caminho.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

AS PROFISSÕES DA SAÚDE

Ocupar-se da saúde humana num tempo de verdadeira crise da humanidade, em que procuramos novas significações para nós, humanos, e para o mundo, este tempo de tecnologias que avançam numa velocidade inapreensível, onde as diferenças e contrastes são chocantes, num mundo em que parece crescer a tendência à propagação de doenças em escala global, em que cada vez mais uma minoria parece terá acesso aos benefícios e promessas da pesquisa biomédica, ora, isso parece tarefa desafiante. E, pelas mesmas razões, e na mesma medida, papel importante a ser desempenhado.
Profissões como Medicina, Biomedicina, Odontologia, Enfermagem, Medicina Veterinária, Nutrição, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Ciências Biológicas(o Biólogo, dependendo de sua opção, pode trabalhar diretamente vinculado à area da saúde), Psicologia (que pode ser classificada também em outras áreas), requerem interesses, para começo de conversa, ligados à vida e ao ser humano, à natureza,aos animais, conforme o caso. São profissões que demandam interesse pelos aspectos sociais, habilidade de análise, observação e síntese e familiaridade com os fenômenos químicos e biológicos.
Os vocacionados para essas áreas são geralmente pessoas flexíveis em relação às rotinas diárias, já que os profissionais em questão costumam exercer suas tarefas em horários que se alternam, se modificam e nada têm de estáveis.
É comum ouvirmos que estes profissionais precisam ser "frios". Talvez seja importante questionarmos esse aspecto e considerarmos que os profissionais que lidam com a saúde, muito pelo contrário, precisam contar com sua sensibilidade para lidarem com as dificuldades humanas. Importante, isto sim, o equilíbrio emocional que o habilite a lidar com as emoções do outro. Este será um desafio constante para um profissional que estará inserido num campo de grandes contrastes:de um lado, a alta tecnologia, de outro, a carência humana mais aguda. Certas áreas da Medicina e da Odontologia parecem ter adquirido uma face extremamente técnica, desafiando o profissional e clamando por sua humanidade.
Vivemos hoje numa nova ordem, regida por grandes forças econômico-financeiras, entre as quais, a indústria da beleza, nutrição e saúde. Tudo pode e deve funcionar como remédio. Nunca a humanidade temeu tanto a doença e teve tanta aversão ao mal-estar. Vivemos sob a urgente necessidade de nos sentirmos sempre supersaudáveis, bem dispostos. A medicalização e a prevenção absolutas são a obssessão incrementada pelos progressos da biotecnologia. É neste cenário que os profissionais da saúde vão necessariamente estar mergulhados. E chamados a se responsabilizar pela vida e pela humanização do seu fazer.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A ESCOLHA



No vídeo abaixo, o psicanalista Jorge Forbes diz que a escolha é algo profundamente humano. Só os humanos duvidam e escolhem.
Escolher é, portanto, uma forma de exercermos nossa humanidade. Às vezes nos esquecemos, até, de que escolhemos o tempo todo. Ou não temos absoluta consciência de nossas escolhas, que são bastante determinadas por causas inconscientes. Na escolha sempre está implícita essa determinação inconsciente, além de outras de ordem cultural, histórica, , social,midiática, enfim nossas escolhas são geradas e atravessadas por uma gama de influências. O que a sociedade espera de nós, o que sempre ouvimos de nossos pais, o que a mídia nos incute, o que a moda dita, o que o mercado oferece e nos convida a consumir. Imprescindível se torna o empenho no resgate das nossas singularidades.
Escolher nos remete necessariamente a dúvidas, ganhos e perdas. Não é possível ganhar sem perder. E fazer uma escolha nos coloca frente à necessidade de lidar com isto. Ao escolher ser professor de Educação Física, porque me identifico com este papel, vejo sentido aí, e acredito que essa escolha me dará um sentido, um significado, posso estar decepcionando quem acha que essa profissão "não dá dinheiro", ou ao meu pai que é advogado e gostaria que eu também fosse. Vou precisar de coragem para assumir minha decisão. Ou para tomá-la.
Fazer escolhas requer coragem e capacidade de lidar com perdas inevitáveis. Ao escolher Educação Física, não escolho Direito. E preciso me ver com isso, elaborar o luto pelo que perdi. Todos nós somos sensíveis às perdas. Amadurecer é também esse aprendizado em relação a tudo isso que está envolvido no ato da escolha.
A escolha gera dúvida e angústia. E temos tendência a pensar na angústia como um problema, um mal a ser eliminado, ou curado. A angústia, para Lacan, o psicanalista que repensou a teoria de Freud, "é a única fonte da criação", como nos lembra jorge forbes no vídeo abaixo. É da angústia que nasce a invenção da vida. Angustiar-se é estar vivo, propenso a a criar,a inventar-se.
A escolha é uma experiência com a dúvida, com a angústia e com a coragem de se inventar de se assumir.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

AS ENGENHARIAS

O homo faber, esse construtor, fabricante do mundo, é essência do humano, que só se tornou humano construindo (e utilizando a linguagem, e se relacionando). Pois alguns de nós temos essa veia bem acentuada, essa de fazer, mexer, fabricar, construir, misturar, essa curiosidade de ver como funciona, como pode funcionar melhor, essa familiaridade com a técnica.
As engenharias são um campo bem propício, sem dúvida, a esses engenhosos, às vezes mais técnicos, às vezes mais criativos.
Há quem pense em engenharia como profissão exata, unicamente associada a cálculos e
à transformação físico-dinâmica dos ambientes. No entanto, o papel essencial dos engenheiros consiste em colocar à serviço da sociedade todas as conquistas da tecnologia, mediante a elaboração de dispositivos que aumentem a eficiência e diminuam a fadiga e o risco humanos, em todos os atos da vida, bem como resguardem e visem a preservação ambiental.
Esse faber que é o engenheiro, portanto, está, e muito, ligado às causas humanas. No exercício da sua profissão, geralmente exercerá papéis de liderança junto ao seu grupo de trabalho. Estar à frente na tomada de iniciativas, ser capaz de motivar o grupo para fazer, são habilidades próprias de um bom profissional da área. As habilidades de compreensão físico-matemática, desenho técnico, inteligência abstrato-espacial, são sem dúvida fundamentais naquele que tem vocação para engenharia.
O acadêmico de engenharia vai estudar disciplinas básicas tais como cálculo, física, química, computação, princípios básicos de engenharia. A partir daí passa a cursar disciplinas mais específicas, relacionadas com a área da engenharia escolhida. São muitas, e elas crescem com o crescimento das demandas geradas pelo avanço tecnológico. Por exemplo:
engenharia civil, engenharia mecânica, engenharia química ou bioquímica, engenharia mecatrônica, engenharia de alimentos, engenharia da computação, engenharia elétrica, engengenharia aeronáutica, engenharia de produção, engenharia ambiental, engenharia agronômica, engenharia de minas, engenharia de petróleo, engenharia de materiais e manufatura, engenharia florestal, engenharia metalúrgica, engenharia naval e a aparentada arquitetura e urbanismo.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A OPÇÃO PELO SUJEITO NO MUNDO DA MERCADORIA

Um dia desses fui a uma loja de sapatos e a vendedora, percebendo meu ar pensativo ao examinar o par de sapatos recém experimentado, lançou sua estratégica frase clichê: "- Tá saindo bastante!" Ou seja, vendendo bastante. Tratava-se de uma mercadoria com boa aceitação no mercado. O que ela não poderia imaginar, e não a culpo, é que, para mim, esta singular cliente, este não fosse um critério decisivo para a compra. Pelo contrário, poderia, isto sim, ter sido critério de desistência!
Vivemos no grande mundo das mercadorias. Mercadorias objetos, mercadorias humanas. Homem mercadoria, mulher mercadoria, trabalho mercadoria.
Ao decidir utilizar esse blog como um espaço para dizer o que penso, para fazer pensar, para divulgar o meu trabalho, optei por fazê-lo um espaço singular, criativo, de diferença. Não um "blog mercadoria", preocupado com o que "tem saída", o que " vende bem " , o que reproduz para ser aceito.
Talvez por isso esse blog, voltado para a orientação vocacional, não traga os requisitados testes. Não que eu me oponha a eles, mas porque prefiro fazer um trabalho que, ao invés de alienar o orientando e jogar as expectativas e responsabilidades nos testes, faça o contrário, desperte o sujeito para a reflexão acerca de si mesmo, para que se assuma como sujeito dos seus processos. Esta é a caminhada que eu proponho.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

OLÁ, VESTIBULANDO

O vestibular vem se tornando, em nível federal, um exame de caráter mais complexo, com a unificação das provas e diversificação do estilo de avaliação de acordo com a universidade. Mais disputa pelas vagas,em alguns cursos e universidades, mais opções por outro lado para quem se dispõe a se inscrever em outros estados, enfim, mudanças que desestabilizam, facilitam, ou criam certas dificuldades, dependendo do ponto de vista ou da situação de cada um. O que não mudou e nem vai mudar é o significado do vestibular. A palavra tem origem no vocábulo "vestíbulo", que é aquela parte introdutória dos prédios, como uma ante-sala, um entre-lugares. Já não é na rua, mas ainda não é dentro do lugar onde se almeja entrar. É o vestíbulo.
Vestibular, e é isso que não muda, é esse entre-lugares, esse vestíbulo da maturidade. Faz a gente se sentir meio fora, quase dentro, porque o que não muda é que o objetivo de todo vestibulando é alcançar seu lugar no mundo, desenvolver seu projeto de vida. Isto é o que não muda.
Parabéns aos que encontraram seus nomes no listão.
Aos que não conseguiram aprovação neste vestibular, é preciso renovar as estratégias e as convicções. Porque, aprovados agora, ou ainda não, estamos costruindo um projeto de vida.

sábado, 23 de janeiro de 2010

A INVENÇÃO DE SI

O ator da cena da vida é escalado para papéis aos quais muitas vezes está habituado, e por isso os encarna com extrema facilidade. Outras vezes lhe atribuem papéis mais ousados , difíceis de serem vividos; ou, mesmo, papéis surpreendentes, que parecem não corresponder às suas habilidades e possibilidades cênicas.
Ao vê-lo assim tão ocupado com tantos desempenhos, com a velocidade em que as cenas vão se sucedendo,com tantas exigências quanto à desenvoltura, improvisação, flexibilidade,pode nos ocorrer a pergunta: afinal, quem é ele? Por trás de suas más-
caras esconde-se seu verdadeiro eu?
O cenário, o ator, compõem a cena contemporânea, e estamos nós a nos perguntar
sobre sua identidade. A identidade, neste contexto,não tem mais aquela fixidez e estabilidade de outros tempos. O ator em cena, não mais a segurança de outros tempos.
Uma tarefa, um trabalho pela vida afora, essa tal de identidade. Aquilo que o indivíduo é, e que juntamente com a atividade e a consciência vão compondo a subjetividade. Numa perspectiva histórica e dialética, podemos dizer que o indivíduo é metamorfose.
Quando pensamos no sujeito da socidade capitalista contemporânea, precisamos pensar na história deste sujeito e no contexto que o cerca, ou mesmo, que o atravessa, com suas influências e determinações. São múltiplos os componentes que produzem subjetividade: sociais, materiais, sexuais, de poder, de mídia, constituindo um verdadeiro e complexo processo. O que o indivíduo é está como que etiquetado nos produtos que consome, nos lugares que frequenta,no meio de transporte que usa, na música que ouve, na roupa que veste, na comida que come.
O sujeito humano inicia sua vida sem saber o que é ser humano. O animal humano não sobrevive sem a tutela do outro. E se constitui como sujeito na relação com o outro e com a linguagem. É nessa relação com o outro, com a palavra que lhe é dita, com todas as particularidades dessa história, que o sujeito se constitui. Nas palavras da psicanalista Suely Rolnik:
" A subjetividade designa um campo de complexidade crescente. Ali se cruzam vetores que até recentemente pertenciam adomínios do saber estanques, demolindo as clássicas fronteiras entre o psíquico e o social, o subjetivo e o político, a esfera inconsciente e a produtiva, o teatro interno e a cena material, a invenção de si e do mundo. "

sábado, 16 de janeiro de 2010

UMA REFLEXÃO SOBRE A VOCAÇÃO

A palavra vocação, de origem latina (vocatio), significa chamado, e é com frequencia utilizada nas abordagens referentes à escolha profissional. O que é vocação? Existe mesmo a vocação, ou o sujeito pode, como alguns afirmam, desenvolver as habilidades necessárias para assumir o papel profissional que decidir ?
Bem, realmente, desde o início da modernidade, a sociedade vem se pautando pelo ideário liberal, e o homem vem se atrevendo a se pensar como um ser que decide o próprio destino. Lá na idade média, por exemplo, os destinos do homem estavam designados desde o nascimento, e a profissão, assim como tudo o mais que se referia ao lugar ocupado pelas pessoas naquela sociedade, eram pré-determinados, seja pelos laços de sangue ou pelos desígnios divinos.
A visão que temos das coisas é sempre determinada pelo ponto de onde olhamos, de onde nos situamos. Vivemos numa sociedade capitalista, em plena chamada “pós-modernidade”, o que significa que somos livres para decidir. E como...., já que as opções são cada vez mais numerosas, e não cessam de se ampliar. Tudo muda tão rápido em nossa sociedade, que temos dificuldade para fazer projetos a longo prazo.
Vejo que é muito comum que as pessoas falem em decidir “o que fazer”, como se a profissão fosse apenas mais uma das tarefas que temos pela vida. O fazer parece estar mais associado às necessidades, habilidades, e aos interesses mais imediatos.
E realmente, a profissão é um fazer. Mas um fazer que se diferencia de outros fazeres, como tomar banho, fazer comida. É um fazer que confere sentido ao nosso viver, que define o papel que desempenhamos na sociedade. A profissão é um fazer que se relaciona essencialmente com o que somos, e o que somos com o que fazemos.
Em nossa sociedade hipercapitalista, ordenada pela técnica e pela ciência, predomina a tendência a explicar as coisas do ponto de vista da biogenética, da neurociência. É assim que as compreensões contemporâneas acerca das identidades, de quem somos nós, se encaminham também por aí. Somos assim porque teríamos um gen que nos conferira essa característica, a depressão e outras patologias seriam explicáveis por desequilíbrios químicos, e assim por diante.
Quero lançar o olhar em outra perspectiva. Para uma compreensão histórica e
multifacetada do ser humano. O homem se constrói na história que vive, foi no fazer de
sua história que a humanidade se construiu. E esse é um processo que tem movimento, um movimento que é o da vida humana.
Quando nascemos, nossos pais, que tiveram seus pais, com suas histórias, tinham expectativas a nosso respeito, quiseram coisas para nós, estabeleceram conosco uma relação que foi determinando, em grande parte, o que somos hoje. É isso que quero dizer. O que somos não é uma invenção tão liberal assim. Trazemos em nós inclinações que são fruto das experiências que vivemos em nossas histórias, determinadas pelas relações que se estabeleceram nesse contexto, e, ao mesmo tempo, temos em nossas mãos, e isso é importante, as possibilidades de mudar esse destino, de transformá-lo.
Acredito, portanto, que somos , sim, vocacionados, ou “ chamados”, não por instâncias divinas, mas por essas determinações históricas que vão nos formando, nos construindo. O que vamos fazer com isso? Bem, aí é realmente uma questão de escolha.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

ESCOLHA PROFISSIONAL E UTOPIA

Os estudiosos ou teóricos da pós-modernidade, este momento ainda tão cheio de interrogações que a humanidade vive, caracterizam a nossa época como estéril de utopias. Fala-se no “fim das utopias”. Aquelas utopias da modernidade, ligadas ao sonho da liberdade, de um mundo melhor e permeado pela paz, cederam a um ceticismo
que parece enfeiar ou endurecer a face do mundo contemporâneo. A pressa, a velocidade feroz de nossas vidas, um mundo permeado pela voracidade de ter, de consumir e descartar, porque hoje nada é durável, tudo parece tão vão, tão fugaz...
Acho,no entanto, que recolocar a questão das utopias no mundo de hoje faz-se um
desafio instigante para os que insistem em não adotar simplesmente os lugares já dados, os rumos esperados, os que ainda não se dobraram à estética da realidade vigente.Refiro-me ao compromisso com a esperança, com a criatividade e com a construção do novo.
O psicanalista Edson de Sousa, em seu livro “Uma invenção da Utopia” diz: "Impossível manter um compromisso com o amanhã sem o alimento da esperança. Sempre que o futuro se radicaliza em um projeto único uma sombra cai sobre o amanhã.
Portanto, criar é sempre criar um futuro, um horizonte que exige de nós uma liberdade mínima para um fazer irreverente. Com freqüência se critica a utopia pelo seu formalismo estéril construindo castelos no ar e literalmente paralisando o sujeito que espera por um futuro que nunca chega. Duas objeções poderíamos fazer a tais comentários:
Em primeiro lugar, a confusão de pensar a utopia como formulação de ações antecipadas. A utopia diz de uma insatisfação do presente e fundamentalmente de um desejo de transposição. Determinar o percurso a ser feito é aniquilar o fundamento mesmo da criação necessária ao agir.
Por outro lado, desqualificar o formalismo pode ser uma estratégia de defender um
pragmatismo raso e que institui as formas do amanhã em princípios unificadores, aparando as arestas da diferença que, como sabemos, são fundamentais para manter viva a chama crítica.” (p.27, 28

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO

Pensar na importância do trabalho para a humanidade é pensar na própria origem, na fundação da humanidade. O homem se tornou homem, diferenciando-se de outros animais, modificando a natureza, apropriando-se dela, fabricando instrumentos de trabalho, lá nos primórdios da sua evolução. E foi fazendo sua própria história, trabalhando, se relacionando com os outros, desenvolvendo a linguagem, foi neste processo que o homem se construiu.
Freud, o fundador da Psicanálise, salientou a capacidade de amar e de trabalhar como indícios de saúde emocional. Trabalhar é, pois, desenvolver a própria humanidade, participar na criação do mundo e, como apontou Freud, manter-se saudável.
O homem é fruto de seu contexto histórico, e, ao mesmo tempo, produtor, transformador deste contexto. A realidade do trabalho nas sociedades pré-capitalistas, ou seja, sociedades estamentais da Antiguidade e da Idade Média, era, como tudo o mais, determinado pelos laços de sangue, pela tradição, em contraste com as sociedades
Moderna e Contemporânea, onde, em tese, o homem passa a ser “livre” para escolher. A
escolha profissional, portanto, baseada nas aptidões, habilidades e interesses do indivíduo, bem como o próprio indivíduo, inclusive, são construções relativamente recentes na história do homem.

domingo, 3 de janeiro de 2010

OLÁ, VESTIBULANDO!

OLÁ, VESTIBULANDO!

Olá, vestibulando. Este espaço também vai servir para a gente pensar um pouco sobre o vestibular. E, mais específicamente, sobre o sentido de fazer vestibular, o que isto significa na nossa vida, e, emocionalmente, o que está implicado aí nesta fase.
Uma coisa é certa: vestibular tem tudo a ver com independência, com seguir sua própria vida, inventar o seu próprio jeito de estar neste mundo e fazer diferença.
Desejo a todos os vestibulandos boas provas, provas de que estarão prontos para começar a construir seus caminhos. Felicidades!

sábado, 2 de janeiro de 2010

PARA COMEÇO DE CONVERSA

Contardo Calligaris, psicanalista, em seu livro “ Terra de Ninguém”, escreve assim, na crônica “A moda: belezas extremas e indecisas”:

“ Converso com um garoto de 16 anos e com sua mãe, exasperada. O garoto resolveu mudar de estilo. Jogou fora todas as suas roupas folgadas, sem pedir permissão, para prevenir uma eventual hesitação dos pais na hora de financiar a troca de vestuário.
Agora, ele quer calças estreitas e camisetas justas. O problema é que uma cena parecida já aconteceu um ano atrás. Naquela ocasião, a roupa apertada foi para o lixo- substituída por calças e camisetas que pareciam velas mestras.
A mãe: “Por que mudar, assim, de repente?” O garoto: “Agora todo mundo que é legal se veste assim.” A mãe, irritadíssima: “ Você não deveria ser você mesmo? Ter um estilo seu, sem preocupar-se com os outros?”
É fácil simpatizar com a mãe, embora não saibamos muito bem o que é “ser você mesmo.” De qualquer forma, concordemos: não é bom estar sob o domínio do que pensam os outros. Seja você mesmo, livremente,escute e respeite seus impulsos mais singulares: essa é uma das regras preferidas da modernidade. Uma outra regra diz, ao contrário: preocupe-se bastante com o olhar dos outros, pois, neste mundo, todos os cargos são eleitorais, ou seja, cada um deve seu lugar à aprovação que encontra e suscita. O garoto, mudando de estilo, busca conciliar as duas regras. Ele renova seu aspecto para ser mais “ele mesmo”. Mas precisa da aprovação do grupo das calças justas: sem o olhar dos outros, seu novo “ele mesmo” não valeu nada. ”

Pois é mais ou menos esse o impasse em que nos encontramos na sociedade consumista e espetacular em que vivemos todos nós. Espetacular quero dizer de espetáculo, mesmo. Precisamos nos mostrar, aparecer o tempo todo, “estar bem na foto”, estar de bem com a opinião pública. E ainda, uff, dizem que temos que ser nós mesmos. Essas contradições rondam nossas identidades . E é neste contexto que precisamos escolher nosso caminho, quem desejamos ser, que lugar vamos querer ocupar nesse mundo.
Este é um espaço que pretendo possa ajudar nesse processo de escolha, de tomada de decisão, de consolidação de identidade. Um espaço para a gente exercitar a reflexão sobre nós mesmos, sobre a realidade, sobre os papéis que vamos assumir para mudar o mundo.